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O que House of Guinness, da Netflix, ensina sobre herança familiar — e como seria se a trama fosse no Brasil?

Sucesso nos streamings, série traz uma aula sobre herança e planejamento familiar

A série House of Guinness, sucesso recente da Netflix, transformou uma história real de poder e tragédias familiares em um verdadeiro estudo sobre sucessão e herança. Inspirada na dinastia irlandesa que construiu um império em torno da cervejaria Guinness, a trama acompanha os desdobramentos após a morte do patriarca Sir Benjamin Lee Guinness e seus filhos, Arthur, Edward, Anne e o jovem Ben, em meio a disputas, ressentimentos e segredos que atravessam gerações.

Para além do drama, House of Guinness expõe temas que são muito mais comuns do que se imagina — especialmente quando o assunto é herança. No Brasil, casos semelhantes, em menor escala, aparecem todos os dias nos tribunais. A partilha de bens, o papel dos herdeiros e a ausência de planejamento sucessório são fatores que frequentemente transformam o que deveria ser um momento de luto e continuidade em longas batalhas judiciais.

De acordo com a advogada Patricia Valle Razuk, sócia do PHR Advogados, especialista em Direito de Família e Sucessões e especialista em Mediação de Conflitos pela Harvard Law School, a série reflete com precisão os dilemas que surgem quando sentimentos e patrimônio se misturam. “House of Guinness mostra que herança não é só sobre dinheiro, mas sobre pertencimento, reconhecimento e poder. Esses elementos, quando não são bem administrados, acabam levando famílias inteiras ao colapso. Isso vale tanto para bilionários quanto para famílias comuns”, analisa.

A especialista explica que o Direito de Família brasileiro prevê mecanismos capazes de evitar conflitos sucessórios, mas eles ainda são pouco utilizados. “Planejar a sucessão não significa antecipar a morte. Significa preservar relações e garantir que a vontade do titular do patrimônio seja respeitada. O testamento, a doação em vida e as holdings familiares são instrumentos legítimos que reduzem litígios e fortalecem a autonomia das partes”, destaca.

A advogada também ressalta que, ao contrário do que muitos pensam, o sistema jurídico nacional busca cada vez mais valorizar o diálogo e a mediação. “O Judiciário tem incentivado soluções consensuais em inventários e partilhas, o que é essencial para preservar vínculos. Afinal, o que está em jogo não é só o patrimônio, mas o tecido emocional das famílias”, completa Razuk.

Outro ponto que vai de encontro com a legislação brasileira é a exclusão de herdeiros legítimos. “Diferente do que ocorre na série, em que Anne e Ben são totalmente excluídos do testamento do patriarca, a legislação brasileira não permite a exclusão completa de filhos, salvo em casos excepcionais previstos em lei, como tentativa de homicídio contra o autor da herança”, diz a advogada. Ou seja, as razões expostas na trama não teriam validade jurídica no Brasil.

Confira a seguir cinco lições que House of Guinness deixa sobre herança e sucessão, à luz do Direito de Família no Brasil:

  • Diálogo evita litígio

A recusa de Benjamin em explicitar sua vontade acende a faísca das disputas entre Arthur, Edward, Anne e Ben. “A comunicação entre titular e herdeiros reduz contestação e gastos judiciais”, aponta.

  • Testamento traz previsibilidade

Na ausência de disposições claras do patriarca, as interpretações se multiplicam. No Brasil, o testamento é o instrumento que melhor traduz a vontade do titular e dá segurança jurídica aos herdeiros.

  • Sucessão empresarial pede soluções próprias

Quando o império Guinness se confunde com afetos, a continuidade do negócio fica em risco. Holdings e acordos societários são meios técnicos no Brasil para separar sucessão patrimonial de gestão empresarial.

  • O valor simbólico pesa tanto quanto o econômico

Anne e Ben disputam não só cotas, mas reconhecimento e lugar na história familiar. O Direito de Família moderno admite medidas que considerem esse legado imaterial e favorece métodos consensuais, como a mediação.

  • Planejar é garantir estabilidade intergeracional

O medo de perder controle levou Benjamin a decisões que desestruturaram a família. “Planejamento sucessório é gestão de risco familiar: protege herdeiros, preserva empresas e evita que o patrimônio vire motivo de guerra”, conclui Razuk.

Fonte:

Patricia Valle Razuk
Patricia Valle Razuk é especialista em Direito de Família, além de especialista em Mediação e Gestão de Conflitos pela Harvard Law School – Foto: Renato Ramalho/M2 Comunicação

Patrícia Valle Razuk – sócia e co-fundadora do PHR Advogados. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito (EPD). Especialista em Mediação de Conflitos pela Harvard Law School.

Redação
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